16 janeiro 2007

"Nada do Outro Mundo" - Entrevista 7

Esta é a última parte duma entrevista a uma senhora que fazia abortos em casa. Para a consultares as partes anteriores, clica nos seguintes links: primeira, segunda, terceira e quarta e quinta e sexta.

"NM - Acredita em Deus?

Sra X - Às vezes.

NM - Como sabe, estamos em plena campanha para o referendo, com os adeptos do Não a defender que a vida começa na fecundação e que matar um embrião é matar uma pessoa, que é uma vida humana, inviolável, sagrada... Como é que sente isso?

Sra X - Eu sinceramente não entendo. Então se isso é um atentado à vida, então os indivíduos que são condenados à morte? Aí a igreja não faz nada...

NM - Em Portugal não há pena de morte. Mas reconhece alguma validade nestes argumentos?

Sra X - Eu não.

NM - Para si, a partir de que altura é que matar o que está dentro de uma mulher é matar uma pessoa?

Sra X - Faz-me muita impressão a altura em que começa a ter forma. Às doze semanas já me faz muita impressão. Choca-me...

NM - Mas por exemplo no caso da violação o prazo é de dezasseis semanas, já vai para além desse limite...

Sra X - Acho que sim. Uma violação é uma coisa tão terrível...

NM - E no caso das malformações, vai até às 24 semanas. Não lhe faz impressão, isso? Afinal, os fetos malformados também são humanos.

Sra X - Evidentemente. Mas sabe, morrem tantas crianças lá no meu hospital. Crianças, mesmo. E essas sim, essas sentem, de certeza.

NM - Mas onde é que passa a fronteira, para si? Há um ano ou dois houve um caso, em Inglaterra, em que uma mulher estava grávida de gémeos e resolveu matar um dos embriões. A lei inglesa permite isso, até porque se se pode abortar um embrião que está sózinho, também se pode matar um de dois... Faz pensar, não é?

Sra X - Lembro-me desse caso, chocou-me muito. É muito difícil dizer... É a mesma coisa, de facto, mas faz muita impressão. Como é que se escolhe? Não sei, não sei. Há coisas a que é impossível responder. Têm de ser as pessoas a decidir. A vida é delas. Para mim, pessoalmente, seria muito difícil. Perante a lei está correcto, mas...

NM - Nunca sentiu culpa?

Sra X- Não... Absolutamente nenhuma. O pior é as crianças virem cá para fora e depois serem umas infelizes. Eu, por exemplo, dei tudo o que podia à minha filha, muitas vezes via-me e desejava-me para lhe poder dar tudo... Penso, às vezes, o que é que uma criança de catorze anos pode fazer com um bebé nos braços? Quando ela ainda está em idade para brincar... É uma responsabilidade muito grande.

NM - Concorda com a tese de que as pessoas são sobretudo irresponsáveis, que não tomam as precauções necessárias para não engravidar?

Sra X - Acho que as pessoas mesmo tomando anticoncepcionais e usando métodos correm o risco de ficar grávidas. Um dia porque se esquecem de tomar a pílula, o que é normal, porque ninguém é infalível, não é? Porque eu esqueço-me de tanta coisa, posso perfeitamente esquecer-me de tomar a pílula... Por outro lado, mesmo com os dispositivos intra-uterinos pode haver falhas: o papel do dispositivo é manter a mucosa do útero irritada, para o ovo não se conseguir fixar. Pode bastar tomar um antibiótico para que a mucosa deixe de estar irritada... e a pessoa pode ficar grávida mesmo com um dispositivo intra-uterino. Não há nenhum método cem por cento seguro. E quanto às contagens e ao método das temperaturas, então... Há pessoas que têm ciclos irregulares, que são menstruadas de quarenta em quarenta dias... E depois varia. Eu própria cheguei a estar oito meses sem ter período. O sistema hormonal não é certo em toda a gente. De modo que isso de as pessoas dizerem que nunca fizeram um aborto... É uma questão de sorte. E há pessoas que andam para aí a falar a falar, dessas que são contra, e já fizeram interrupções de gravidez. E se não são elas, são eles.

NM - Como é que sabe?

Sra X - Ora! Essas coisas sabem-se todas. Acho incrível as pessoas andarem a pregar uma coisa e fazerem o contrário.

NM - E quanto às pessoas que dizem que fizeram abortos e votam não, porque estão muito arrependidas, como é que as vê?

Sra X - Essas são pessoas que não sabem aquilo que querem. Estão arrependidas porquê? Na altura não pensaram bem? Então deviam ter pensado. Mas agora querem pensar pelos outros."

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