24 novembro 2006

"Nada do Outro Mundo" - Entrevista 2

Esta é a segunda parte da entrevista, que já começou a ser publicada no dia 18 de Novembro, aqui.

"NM - Como é que começou a fazer abortos?

Sra X - Foi mais ou menos na altura em que se começou a falar de sida. Havia necessidade de haver alguém em quem houvesse confiança do ponto de vista da esterilidade do material e de certificar que quem fosse fazer uma interrupção da gravidez não saísse de lá com uma doença devido à falta de assépsia.

NM - Essa necessidade de que fala foi de quem?

Sra X - De certos médicos, que queriam ter alguém de confiança a quem enviar as pessoas.

NM - E porque é que esses médicos não fazem eles próprios os abortos?

Sra X - É uma pergunta que nunca lhes fiz a eles... Penso que seja por uma questão de ética.

NM - De ética não será, já que eles lhe pediram que o fizesse...

Sra X - Pois, será talvez de conveniência...

NM - Quanto leva de fazer um aborto?

Sra X - Depende. Sessenta, setenta [contos = 300/350 euros]... Acho que é o preço justo. Mas às vezes não levo nada. Porque são colegas, porque são médicas... Ou quando é uma pessoa que eu vejo que não tem possibilidades. Mas a maior parte das pessoas que vem cá pode pagar. Aliás, as pessoas que vão a estes médicos são de posses. Há um deles que só trabalha com a classe alta.

NM - Uma das coisas que se diz é que a legalização, a existir, virá dar cabo do negócio das pessoas que fazem abortos. Não pensa nisso?

Sra X - Não, não sinto esse problema. Eu não vivo disto. Aliás, eu tenho um consultório que não tem nada a ver com isto. Como já lhe disse, nunca me passou pela cabeça fazer isto e se o faço foi porque os médicos me começaram a pedir e eu entendi que eles tinham razão. Veja lá que até para comprar o material de aspiração, tive de usar o nome de um ginecologista, doutra forma não mo venderiam...

NM - E o resto do material, como é que é?

Sra X - Olhe, o material de esterilização, não há problemas, uso o do hospital. As sondas, que são de usar e deitar fora, vêm através de um laboratório, mas em nome dos médicos.

NM - Que métodos usa?

Sra X- Uso só o método de aspiração. Nunca usei raspagem. Porque eu faço abortos só até às oito semanas...

NM - Porquê?

Sra X - Primeiro, para não correr riscos. E depois porque acho que até às oito semanas uma pessoa tem tempo suficiente para se decidir. E depois penso que me faria um bocado de impressão moral fazer uma coisa já maior. Porque assim é uma bolsa embrionária, são células embrionárias, aquilo sai tudo fragmentado, é como se fosse gelatina. Faz de conta que é um pudim de gelatina, que a gente aspira e pronto.... não faz impressão nenhuma. A sonda de aspiração tem meio centímetro, portanto já vê, para ser aspirado por uma sonda de meio centímetro tem de ser tudo muito frágil, para conseguir sair. Eu no bloco operatório vejo coisas muito mais graves... E portanto decidi que era só até às oito semanas e os médicos que me mandam as pessoas já sabem que mais que isso não.

NM - Posso saber com quantos médicos trabalha?

Sra X - Olhe, alguns nem os conheço, porque eles falam uns para os outros. Mas uns quatro ou cinco. Repare, eu não faço muitas coisas destas por mês. Não. Posso ter meses de fazer uns quatro, cinco, seis, depende... Mas nunca mais de oito ou dez. Nunca mais que isso. Porque eu quero fazer com segurança e não quero abrir a minha casa a qualquer pessoa.

NM - Que tipo de pessoas, que estrato sócio-económico, é que lhe aparecem?

Sra X - São pessoas da classe média alta, e bastante alta. Muitas jovens, miúdas com catorze, quinze , dezasseis...

NM - E qual foi a idade mais baixa que já lhe apareceu?

Sra X - Catorze.

NM - Elas vêm cá com as mães, com os namorados?

Sra X - Com as mães e com os pais. Com os namorados é raro, só as raparigas mais velhas. Essas miúdas muito jovens nunca vêm com os namorados.

NM - Tem mais pessoas de que idade? Qual é a média?

Sra X - Trintas e tais.

NM - E as circunstâncias, chega a perceber?

Sra X - Sim, sim. Porque eu converso bastante com as pessoas, para ver se as pessoas sabem o que querem. Porque isto é uma coisa que deve ser feita de livre vontade. Eu explico muito bem muito bem o que se vai passar, até porque a pessoa entendendo colabora muito melhor. Quanto às circunstâncias, penso que muitas vezes são inconsequências. As pessoas nunca pensam que aquilo lhes vai acontecer. E acontecem às vezes com brincadeiras. Olhe que eu já encontrei uma miúda grávida que estava virgem.

NM - Como?

Sra X - Deve ter havido uma brincadeira com o namorado e sem penetração, aconteceu. A miúda tinha dezoito anos, era maior, uma miúda inteligente, muito consciente... Mas a mãe tinha uma atitude muito agressiva em relação a ela. A miúda dizia que era impossível estar grávida, que nunca tinha tido uma relação normal... Mas foi ao médico, fez uma ecografia e estava de facto grávida de seis ou sete semanas. A mãe não queria acreditar que ela nunca tivesse tido uma relação, mas de facto depois quando fui observá-la disse-lhe — porque eu não sabia dessa história toda — então, tu nunca tiveste uma relação, pois não? E ela: não, nunca tive. Está a ver o meu drama? Tive de fazer tudo com o maior dos cuidados para não desvirginar a moça. E ficou intacta, felizmente. Coitada da miúda."

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