11 janeiro 2007

"Nada do Outro Mundo" - Entrevista 6

Esta é a penúltima parte duma entrevista, feita em 1998, que tem vindo a ser publicada no blog. Para a consultares as partes anteriores, clica nos seguintes links: primeira, segunda, terceira e quarta e quinta.

"NM - Vai votar no referendo?


Sra X - Vou votar, vou!

NM - E acha que vai passar o sim?

Sra X - Acho que sim, tenho muita fé nisso.

NM - Partindo do príncipio de que isto passa, que vai fazer? Já pensou alguma coisa?

Sra X - Olhe, ainda não pensei nada, sinceramente. Ainda não falei com ninguém. Sabe, eu não vivo disto, vivo do meu trabalho no hospital e de um consultório que tenho com um médico. Os lucros que vêm, vêm mais dessa sociedade que disto aqui. Mas se um dos médicos com quem eu trabalho quiser montar alguma coisa, uma clínica ou assim...

NM - Acha que esses médicos são pessoas para isso?

Sra X - Acho que há necessidade.

NM - Mas a prática abortiva é muito mal vista no meio médico...

Sra X - Olhe, mas é assim: muitas vezes eles não querem dar a cara. Então têm outra pessoa que não tenha problemas em dar a cara. E eu não tenho. Posso perfeitamente montar um consultório... Aliás, consultório já tenho, ecógrafo também tenho... Em vez de ter dois gabinetes passo a ter três. Eu só espero é que isto seja legalizado, porque é muito mais fácil trabalhar legalmente. Não quer dizer que isso vá facilitar muito mais as coisas em meio hospitalar. Mas podem aparecer clínicas...

NM - E acha que o preço dos abortos vai baixar ou não?

Sra X - Penso que se vai manter... Eu acho que o preço que levo é equilibrado. Eu sei que há pessoas aí que levam exorbitâncias...

NM - Isso em clínicas, não?

Sra X - Não, não. Pessoas... Já me disseram que chegam a levar cem, cento e tal.

NM - Do que sabe, como é que funcionam as coisas nos hospitais?

Sra X - Sei pouco. Esteve aqui uma miúda, há dias, que tinha uma epilepsia, que tinha estado em S. Francisco Xavier a tentar abortar, tinha a carta do ginecologista, tinha a carta do neurologista, tinha a lei toda do lado dela, mas chegou lá e disseram-lhe que não havia vagas, para ir lá daí a quinze dias, a rapariga começou a pensar e quis resolver o assunto de outra maneira porque teve receio de que depois fosse tarde. Estava de cinco semanas, não quis esperar mais. E uma secretária do hospital em que trabalho, há uns três anos, estava grávida e foi infectada com rubéola. Já estava de dois meses e nunca mais lhe resolviam o problema, era empata aqui, venha cá depois, faz mais esta análise, faz mais aquela... Chegou aos quatro meses e nada. Até que teve de ir a uma clínica, por sua conta e risco.

NM - Com quatro meses, fizeram-lhe um aborto?

Sra X - Não sei onde é que ela foi, só sei que conseguiu. E sei de outro caso, com um diagnóstico de hidrocefalia no feto, a senhora tinha decidido abortar — quem é quer um filho hidrocéfalo? Só uma masoquista, por amor de Deus — e tinha opinião de dois médicos, tinha tudo... Mas quando lhe resolveram a situação já estava de seis meses. Provocaram-lhe um parto, foi uma coisa atroz, de tal modo traumática que ela nunca mais quis ter nenhum filho.

NM - Como é que encara essas situações? A objecção de consciência, por exemplo?

Sra X - Em consciência, penso que esses médicos não podem admitir uma coisas dessas. Quem é que quer ter um filho anormal? Espero que Deus não me castigue... Bom, ele não castiga, coitado, tem mais que fazer..."

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