05 dezembro 2006

"Nada do Outro Mundo" - Entrevista 3

Esta é a terceira parte da entrevista. A primeira e a segunda parte já foram publicadas, anteriormente.

"NM - O processo em si, como é que é? Há cuidados a ter antes e depois?

Sra X - Peço-lhes que não venham com o estômago cheio, porque podem querer vomitar, ainda que seja raro isso acontecer. E a seguir mando-as fazer um antibiótico ou um anti-inflamatório, embora às vezes seja o próprio médico a fazer o receituário. De resto mais nada... No dia seguinte, pode fazer a vida dela normal. Isto é uma técnica simples, não tem nada do outro mundo. Há é pessoas que empolam a situação.

NM - Quanto tempo é que leva, mais ou menos?

Sra X - Vinte minutos, meia hora. Depende muito. E eu faço tal e qual como se deve fazer, dilatação do colo, e depois a aspiração é uma coisa rápida.

NM - E é doloroso?

Sra X- Não... Porque o útero não dói. Mas claro, se for uma pessoa que tem uma inflamação, quando o útero se contrai evidentemente que pode ter uma dorzinha...

NM - Não usa anestesia?

Sra X - Não. Uso um anti-espasmódico uma hora antes, para que fique tudo mais relaxado. E depois faço uma sedação. É só.

NM - E tem uma conversa com as pessoas, a seguir?

Sra X - Não, a conversa é sempre antes. Explico-lhes tudo, mostro-lhes os bonequinhos que eu tenho aí num livrinho, mostro-lhe um desenho, como é como não é, os prós e os contras. Tudo muito bem explicado. E as pessoas depois disso ficam mais calmas.

NM - E quais são, os prós e os contras?

Sra X - Os prós, só elas sabem, a razão que as leva lá. Os contras, em princípio o único contra é faltar a electricidade enquanto se está a fazer... E aí ou se acaba manualmente ou se espera. Mas é muito chato. Não que doa, mas é menos fácil.

NM - As pessoas aparecem aqui um bocado nervosas, não?

Sra X - Nervosas, ansiosas, sim. E há quem já tenha tido experiências anteriores muito traumatizantes... E eu sei o que isso é, porque eu também já tive as minhas interrupções. Está a ver, eu separei-me do meu marido muito nova. E nessa altura não havia nada... Há trinta anos não havia pílula, não havia dispositivo intra-uterino... E as pessoas que faziam as interrupções eram muito agressivas, não tinham uma conversa, era tudo toca a marchar.

NM - Se calhar ainda há gente assim...

Sra X - Existem, tenho conhecimento disso. As pessoas aparecem-me aqui e contam, dizem-me que isto não tem nada a ver... Primeiro, nunca junto ninguém. As pessoas têm direito à sua privacidade. Para isso é que pagam. E têm direito a ser assistidas como deve ser. As pessoas que vêm cá têm direitos! Evidentemente que se eu não quiser fazer não faço, ninguém me obriga. Mas as pessoas pedem-me, pagam, podem exigir. Exigem sigilo, que nem é preciso, porque isso é uma coisa mútua...

NM - Nunca teve medo de ter problemas com a polícia, ou coisa do género?

Sra X - Não, porque normalmente as pessoas quando vêm, vêm sempre da parte de alguém.

NM- A verdade é que as únicas pessoas presas por isto são as que tiveram problemas porque causaram a morte de alguém...

Sra X - Pois. E isso acontece porquê? Porque as pessoas não são vistas por um médico antes e podem ter um problema cardíaco, uma leucemia, um problema de plaquetas e começar a sangrar e nunca mais parar...

NM - E pode ser uma gravidez mais avançada do que se confessa...

Sra X - Ah, mas eu examino primeiro e quando tenho dúvidas mando fazer uma ecografia. E já tenho tido surpresas.

NM - Mesmo sendo as pessoas enviadas pelo médico?

Sra X - Sim. Ou porque a doente foi lá e diz que tem uma falta de período de dias... Só que há pessoas que estão grávidas e continuam a ter o período. São períodos falsos... E o médico não vê assim um grande volume e dá-lhe o meu endereço. Mas eu vejo sempre antes, faço um toque...

NM - Já lhe aconteceu recusar fazer um aborto?

Sra X - Já, já. Normalmente mando para uma clínica onde sei que há condições capazes. O médico de lá nem me conhece, mas é uma pessoa que me merece confiança, inclusivamente tem sangue se for necessário... Tem tudo o que é preciso.

NM - Qual foi o tempo mais adiantado que já lhe apareceu?

Sra X - Doze, treze semanas. Mas há clínicas que fazem até às dezasseis semanas. Há uma no Porto, por exemplo, da qual tenho as melhores referências.

NM - Já fez algum aborto a uma seropositiva?

Sra X - Já. Uma colega sua, uma jornalista, por acaso. Ela é que me disse que era seropositiva. Era uma pessoa muito reservada, foi logo no início de se ouvir falar de sida. E esteve cá uma segunda vez...

NM - Era portanto uma seropositiva que não tomava grandes precauções. E é muito diferente, fazer um aborto nessas circunstâncias?

Sra X - O material habitualmente é quase todo de usar e deitar fora. E neste caso, usa-se mesmo tudo de usar e deitar fora, cânula, tubo de aspiração, espéculos... E vai tudo para o lixo do hospital.

NM - E aos restos do aborto, o que é que se faz?

Sra X - Aquilo sai tudo em líquido.

NM - Que tamanho tem um embrião de oito semanas?

Sra X - Para aí vinte milímetros, dois centímetros e meio... É mínimo. Aliás é muito poucochinho o que sai.

NM - Acontece-lhe perguntar às pessoas se querem ver?

Sra X - Se há pessoas que estão naquela ideia de que aquilo tem forma, eu digo-lhes que se quiserem vêem, que aquilo é tal e qual como se fosse uma menstruação. Evidentemente que eu sei que não é a mesma coisa que uma mestruação, que são células embrionárias. Mas de aparência, para uma pessoa leiga, é tal e qual.

NM- E isso é para quê? Para que as pessoas não saiam daqui a pensar que mataram uma criança?

Sra X - Exactamente. Só por isso. Porque de facto não se justifica."

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