07 fevereiro 2007

"O Triplo Referendo"

Encontrámos este artigo de opinião de António Pinto Leite, no jornal "Expresso" desta semana. É relativamente extensa, mas aconselhamos a ler.

"Poucos debates sociais terão sido tão úteis como os realizados sobre o aborto.

Os estudos de opinião demonstram que os portugueses querem despenalizar, mas reagem contra a possibilidade do aborto livre. Não querem castigar, mas não querem permitir o aborto de qualquer maneira. Querem proteger as mulheres da vergonha social e do sistema criminal, mas não querem desproteger em absoluto o filho em gestação. Impressiona a maioria dos portugueses que o coração do bebé bata, às dez semanas.

O «sim» ganha o referendo se conseguir que, na hora de votar, o dilema dos portugueses seja despenalizar ou não.


O «não» ganha o referendo se conseguir que, na hora de votar, o dilema dos portugueses seja permitir o aborto livre ou não.


A inércia do debate favorece o «sim», na medida em que o som de fundo da sociedade é o de que não se pode pôr as mulheres na prisão. Não há mulher nenhuma na prisão, mas é uma ideia adquirida.


A verdade favorece o «não». A verdade é que no referendo está em causa o aborto livre, a mulher quer, a mulher faz.


Virá a verdade ao de cima, durante a campanha? É este o primeiro braço-de-ferro da campanha. Há outro, o da abstenção.


O referendo é triplo, contém três perguntas: despenalizar, liberalizar o aborto até às dez semanas e responsabilizar o Estado pela assistência e pelos encargos com a prática do aborto.
São três perguntas distintas. Há consenso quanto à primeira, não há consenso quanto às outras duas. Muitos portugueses não irão votar porque, tal como a pergunta é feita, não conseguirão optar.

Se os políticos tivessem feito o trabalho de casa não se teria chegado a este referendo. Se há consenso em despenalizar, por que não avançaram antes os partidos para um acordo, em sede parlamentar? Por que ficaram na gavetas projectos de deputados do próprio PS, por que não reagiu o PSD? Por que caiu em saco roto a reflexão de Freitas do Amaral?


A resposta portuguesa para a questão do aborto terá de ser sofisticada. Juridicamente sofisticada, socialmente sofisticada.
Desde logo, socialmente sofisticada. Se, desde o último referendo, alguns voluntários conseguiram dar apoio a mais de 80.000 grávidas e dar a vida a mais de 10.000 bebés em risco de aborto, o que não poderá o Estado, com os seus meios, fazer neste domínio?

Os portugueses têm uma tradição e uma sensibilidade especiais. Os portugueses querem um ponto de equilíbrio entre a intimidade angustiada da mãe e o direito à vida do filho.


Os dados internacionais demonstram que o aborto livre tem como consequência o aumento exponencial do número de aborto. Os dados demonstram que o aborto livre não acaba com o aborto clandestino. Para quê dar este passo civilizacional, se não resolve o problema?


Com os consensos que o debate do referendo provocou, nada ficará como dantes. Se o «não» vencer, haverá despenalização sem aborto livre. Se o «sim» vencer será passado um cheque em branco ao aborto livre.


Portugal precisa de ganhar tempo para fazer a lei que quer. Votando «não» Portugal ganha esse tempo, tempo para o equilíbrio entre o drama da mãe e a vida frágil que tem dentro dela, tempo para sim mesmo."

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home