"Uma Questão de Pontualidade"
Encontrámos também no Sol, de 11 de Novembro de 2006, a opinião do economista Eduardo Louro.
"Com o agendamento do próximo referendo está, de novo, lançada na sociedade portuguesa a discussão sobre a despenalização do aborto. (…)
O aborto é, sempre, uma coisa má. O aborto está, quase sempre, ligado a baixas condições de vida. Às classes mais desfavorecidas. Com piores condições de acesso a um conjunto de coisas que deveriam fazer parte integrante dos factores de desenvolvimento das pessoas e, mesmo, da dignidade própria da condição humana. (...)
Discute-se se a despenalização do aborto, enquanto iniciativa do Estado, não significará uma desculpabilização que se sobrepõe à culpabilização da sociedade, tendendo a anulá-la. Ou mesmo um sinal de promoção de um acto, não só condenável no plano dos valores civilizacionais como, à luz da actual realidade demográfica, irracional. Um paradoxo estratégico.
Precisamente o contrário do que, na actualidade, deveriam ser os sinais emanados do Estado. Que teria de fomentar uma cultura de vida. De promover a natalidade, num país com as mais baixas taxas de natalidade da Europa, com uma população envelhecida. Com graves problemas sociais e de desenvolvimento. Com grandes dificuldades na sustentabilidade do sistema de Segurança Social, por força de uma pirâmide etária invertida.
É aqui, neste paradoxo estratégico, que reside grande parte da questão. Na realidade, não seria este o momento oportuno para esta discussão.
E, em boa verdade, é este o problema do país nos últimos dois ou três séculos. Um problema de pontualidade! Um país que chega sempre atrasado aos encontros com a História. Foi assim com a descolonização. Foi assim com a democracia e foi assim em tantas outras ocasiões… (…)
Esta questão da despenalização do aborto passou pela maioria dos países desenvolvidos há trinta ou quarenta anos. Num outro momento histórico. Numa outra fase do desenvolvimento.
Não importa discutir se, então e nesses países, a prática do aborto aumentou ou reduziu. Essa é mais uma discussão que, sem rigor e sem honestidade intelectual, vemos cada uma das partes em confronto manipular. Nuns terá aumentado e noutros diminuído. O que importa é que, nesses países, hoje, a tendência é para limitar, restringir, as condições da legalidade dessa prática.
Isto é estar a par da História. É ser pontual. E a pontualidade é uma das boas práticas das sociedades e dos povos."
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