31 outubro 2006

"Resposta de Uma Mulher ao Sr. Ministro da Saúde"

Encontrámos este artigo no blog Pela Vida, que saiu no Público de hoje, de Alexandra Teté, de Mulheres em Acção.

"1. Segundo parece, na badalada Conferência Internacional sobre a Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher, o Dr. Correia de Campos fez um apelo às mulheres e aos médicos para que promovam o sim à «despenalização» do aborto.


No que respeita aos médicos, a quem o senhor ministro pede que abjurem de um código deontológico milenar de serviço à vida humana, haverá com certeza alguém que lhe responda.

No que toca ao primeiro apelo referido, gostaria - enquanto mulher - de fazer umas observações. De facto, na mesma ocasião, o dr. Albino Aroso terá dito que «nenhum homem sabe o que é levar até ao fim uma gravidez não desejada». Presumo, portanto, que ele próprio também não sabe, nem desejada, nem indesejada. Tão pouco o sabem o senhor dr. Sócrates ou o senhor ministro da Saúde.

2. Não julgo que valha a pena insistir na vacuidade, contradições (e, já agora, demagogia) dos dois «argumentos» apresentados por José Sócrates. Basta pensar que a proposta do PS «persegue» e «envia para a prisão» as mulheres que abortam às 11 semanas de gravidez, às quais não evitaria o aborto clandestino (o qual, aliás, como já reconheceram alguns defensores da liberalização, não acabará, por razões várias). Mas esta incoerência chama a atenção para o verdadeiro «clandestino» dessa argumentação - o não nascido - e para o que estará em causa no próximo referendo: saber se essa vida humana deve ser protegida pela lei, ou se, pelo contrário, deve ficar à mercê do interesse arbitrário de outrem, como se fosse uma «coisa» para usar ou deitar fora, sem valor intrínseco, a custas do Estado.

3. Registo também a insistência desesperada dos adeptos do «sim» na afirmação de que o objecto do referendo é a despenalização do aborto e não a sua liberalização, como malevolamente propalariam alguns. Repare-se: o aborto até às 10 semanas passaria a ser livre, universal e gratuito. Não se trata apenas de uma despenalização ou de uma mera descriminalização. O Estado passa a colaborar activamente na prática do aborto, vinculado somente ao desejo da mulher. Enfim, o que se pretende é mesmo a consagração do «direito ao aborto», até às 10 semanas, como se «na minha barriga mandasse eu».

Todavia, para contrariar este efeito, - como já foi explicado, e por muito que isso irrite ao dr. Sócrates - não é necessário «perseguir as mulheres». No nosso sistema jurídico já estão previstos mecanismos que conciliam a função do direito penal de tutela de bens jurídicos fundamentais (como é, antes de qualquer outro, o da vida humana) com a consideração de circunstâncias atenuantes da culpabilidade, associadas a condições dramáticas e desesperadas de existência.


4. Por fim, não me comove a alegação de que Portugal tenha uma das leis mais restritivas da Europa. Não é que o direito penal comparado não seja interessante ou que não devamos estar atentos às «melhores práticas». Contudo, por um lado, o que os outros fazem, embora relevante, não pode substituir ou anular o que a própria razão e consciência nos dita. Por outro lado, ao longo da história, muitos avanços civilizacionais (a escravatura, os direitos políticos dos pobres e das mulheres...) foram conseguidos pela resistência de uma minoria com razão face a uma maioria sem razão. Por último, o conhecimento adquirido nos últimos anos - quer os progressos científicos no campo da genética e fetologia (que tornam incontornável a questão do estatuto jurídico do não nascido), quer a descoberta das consequências devastadoras para a mulher que o aborto (legal ou clandestino) acarreta - torna cada vez menos defensável, numa sociedade decente, que o aborto seja considerado um «direito». Agora, em Portugal, podemos evitar isso."

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